terça-feira, 12 de maio de 2020

PENEIRANDO OS DIAS



Oitava semana. Sinto-me a deambular pela casa, não porque me sinta deprimido, estou lúcido, bem lúcido, mas zangado, é exatamente isso. O meu espaço é outro, gosto de gostar das pessoas, gosto da proximidade, gosto da conversa, do olhar e, quando calha, até de uma disputa, de um confronto de ideias. Custa-me ver a alegria ser tão pouco: pequena onda logo submergida por outra maior, negra, confusa, deprimente. Que diabo se passará connosco que não sabemos criar espaços solares que durem a vida de cada um, transmissíveis e, entretanto, melhorados, de modo a premiarmos honradamente, aqueles que a seguir chegarem.
É um facto que o futuro é rumar-se para caminhos de incerteza; mas esse rumo poderia ser severamente atenuado se a mão humana se entregasse à provisão de fórmulas dignas, estas, por sua vez, certamente libertadoras de um caprichoso primarismo onde se patinha.
Fala-se que a epidemia que no momento nos ameaça e confina terá tido origem intencional ou negligente. Não sabemos se terá sido assim, o fogo cruzado de acusações trás consigo outros objetivos, não nos dá sumo para nada. Porém, é sabido, (e não nos fica bem sermos ingénuos nestas avaliações) que, por todo o lado, interesses ligados àquilo a que se chama defesa, ou segurança, investem, tanto em inteligência quanto em capitais, valores ocultados na manipulação de viros e bactérias visando a criação de armas de letalidade diabólica, cuja confirmação de eficácia, necessita ser comprovada no terreno.
Outra coisa, mas esta demasiadamente comprovada, é a de que a maldade humana não tem limites, e que nem a chegada dos adventos mais promissores que a história informa, fora capaz de debelar.
A vida não é má. A natureza não é má. Nada do que existe no universo se move com o propósito de nos castigar. A chuva é boa. O sol é bom. Até a dor, quase sempre quando aparece, é para nos avisar de possíveis erros de caminho.
O problema, talvez sejam os conceitos que geramos e nos servem de guia: o conceito de herói, o conceito de grandeza, o conceito de bem- fazer, os tantos conceitos que nos aglutinam e dogmatizam, eles mesmos tão visíveis, que a não tangibilidade dos mesmos devia carregar-nos de preocupações. Desculpem o desabafo, mas estou zangado de me roubarem à vida que, sem convívio, carece de sentido.

6 de Maio de 2020        
João Santiago

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