Episódio
17
A pandemia do covid-19 tem sido
fértil em determinações, conselhos e opiniões, controversas, fruto das
características ainda em estudo deste malfadado vírus. Não faltaram até
mezinhas de fabrico caseiro, tendo como expoente máximo a injecção intravenosa
de detergente receitada pelo presidente dos Estados Unidos da América.
Sem dúvida que o uso da máscara é um
daqueles aspectos que mais tem sido badalado desde que a Sra Dra Graça Freitas,
Directora Geral da Saúde, começou a falar do assunto.
Não conheço aquela senhora de lado
nenhum, mas apareceu na TV com um ar tão ternurento de avozinha que me faz
sentir por ela um grande carinho, reforçado pelas críticas que lhe foram
dirigidas numa situação em que ninguém sabia exactamente o que fazer. E então
era um dia usa máscara que é muito bom, no outro não usem que é perigoso e
voltava-se ao princípio.
A maneira como vejo o uso da máscara
faz-me recordar um episódio que ouvi contar há mais de cinquenta anos a
respeito de uma equipe que tinha estado em missão sanitária a pedido do governo
de um país daqueles que na altura se chamavam PVD. Contava-se que numa aldeia
em zona recôndita desse país ia ser levada a efeito, como experiência, uma
acção de controlo da natalidade, através do uso da pilula anticonceptiva. Para
que a coisa funcionasse correctamente, para além das explicações, juntamente
com o fármaco foi entregue às mulheres um artefacto que tinha um pauzinho no
qual estavam enfiadas vinte e quatro bolinhas brancas e creio que quatro
bolinhas vermelhas. O esquema era tomar a pílula diariamente e fazer deslizar
uma bolinha branca. Quando chegasse às vermelhas não se tomava a pastilha, só
se fazia a passagem diária de uma bolinha vermelha e quando chegassem ao fim
voltavam às bolinhas brancas e à pílula.
Quando uns meses mais tarde a equipe
voltou à aldeia para apreciar os resultados, verificou que as mulheres que
tinham aderido ao esquema estavam todas grávidas. Porém, todas elas tinham
passado, rigorosamente todos os dias, as bolinhas de um lado para outro, mas
não tomaram as pílulas: é que, segundo elas, o efeito não estaria no
medicamento, mas no acto de feitiçaria de passar as bolinhas de um lado para o
outro.
Mas que relação terá esta história
com o uso da máscara. Tem e muito. Das pessoas que usam máscara e não são
muitas fora dos locais em que ela é obrigatória, vejo que há pessoas, raras,
que usam a máscara como é aconselhável o seu uso, mas outras há que a usam das
formas mais variadas e criativas: usam-na na testa, no pulso, no braço, no
cotovelo, pendurada numa só orelha, na armação dos óculos ou no botão da
camisa, fixa no boné, com o nariz de fora, à barbela (que é o mais comum),
pendurada no retrovisor do automóvel, no bolso das calças, na mala (caso das
senhoras) etc. Tal como naquela aldeia perdida no tempo e no espaço, também cá
o que importa é o acto de feitiçaria de exibição da máscara, perante o qual o
covid-19 foge a sete pés.
Deus nos valha.
24 de Junho de
2020
Sanchez Antunes