Estranhos são os dias todos quase iguais
Estranhos somos nós neste medo que arrepia
Estranhas são as notícias que chegam das Américas
Tão longe que estão e no entanto tão perto
Tanta dor sem nome nos entra pela casa e escurece a vida
A falta de cuidados médicos os assassínios racistas a
desigualdade na doença e na morte
A inominável miséria humana
O medo que me tolhe e a saudade de estar com as pessoas que
amo
A incompreensão de tudo, os tempos tão diferentes que são
Desconhecidos os caminhos que iremos trilhar, que esperanças
podemos acalentar que sonhos podemos sonhar
Que projectos podemos ambicionar
Como será a vida após esta devastação?
Só tenho perguntas não tenho respostas tenho muitas
incertezas
Não conheço a cidade de que agora me isolo e fecho no casulo
das minhas paredes
Parece-me até que já nem sei conversar.
Não sou, regra geral, pessimista.
Tento sempre ver o lado positivo das coisas da vida. E geralmente o saldo é
positivo, apesar de todas as dores. Mas, neste momento, em que vemos pessoas
serem assassinadas apenas por a cor da sua pele ser negra; em que vemos o
presidente de um país irmão, ou primo directo, banalizar a pandemia que nos
atacou a todos, dizer “não sou coveiro”, “e daí?”, fazer churrascos enquanto
tantos compatriotas morrem que nem tordos, sem assistência, sem humanidade, sem
nada, num completo abandono e indiferença; em que ouvimos o presidente dos EUA dizer
e desdizer o que ele próprio disse, menosprezar a ciência e os cientistas,
dizer as patacoadas mais estúpidas que alguém pode dizer, ameaçar mandar as
tropas para as ruas para pôr fim às manifestações; em que em tantos lugares do
mundo a fome mata, a miséria mata, as guerras matam, os povos não têm mais país
para viver, quando quando a vida vai regressar, em que, em que poderemos
acreditar? Tanta ferocidade assanha as nossas vidas, de uma forma ou de outra,
quando tudo isto nos engole, eu sinto um devastador desânimo, uma desesperada
amargura, uma nuvem muito escura a pairar sobre as nossas cabeças.
Natércia Fraga
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