domingo, 21 de junho de 2020

MANIFESTO DE DOR

Manifesto de dor

É uma teia cruzada de dores
Já não sei onde vivo já não sei onde estou já não sei sequer se estou em algum lugar
Já nem sei se sou
As notícias todas tão más inundam as televisões os facebooks os jornais as revistas
E uma pessoa entra numa ebulição de aflição
De afogamento
Mais mortos de Covid e mais doentes de Covid
A miséria as casas sem espaço (quando há casa!) os transportes públicos a falta de emprego
A vida sem amanhã hoje sabe-se lá como vai ser
Onde mora o dinheiro onde mora o pão onde se compra a fruta onde se compra a carne o peixe os vegetais
Que se põe na mesa que se dá aos filhos para comer
Que sorrisos se pode oferecer quando por dentro se vai morrendo aos poucos
Como se sai do lixo quando se nasceu no lixo
Como se faz para virar a vida de pernas para o ar e matar a injustiça destas vidas tantas tão miseráveis tão desesperadas a caírem de podres
Afogadas na sua própria miséria?
Como podem viver sem dor os poderosos deste mundo
Como podem ignorar a mortandade de tantos os ricos deste mundo
Como pode haver quem defenda esta ignomínia
Já não somos pessoas já nenhum de nós é humano já não somos dignos de nada dizer de nada fazer de nada pensar
Já não somos dignos da Vida que um dia nos foi dada
Nós e os outros os poucos outros mas tão ricos tão poderosos tão felizes nos seus palácios nos seus condomínios fechados
Indiferentes aos que sofrem aos que morrem aos que se arrastam como vermes por este planeta que não nos pertence
Como é possível tanta ignomínia?

Não sei fazer senão perguntas já não tenho respostas para nada
A minha própria vida esvaindo-se na lama de tanta desgraça

13 Junho 2020
Natércia Fraga
     

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