Episódio 16
Com a pandemia sob algum controle,
começa a diminuir o fluxo de sugestões, mais ou menos criativas, para ocupação
do tempo em confinamento com que pessoas piedosas, animadas de boas intenções,
nos vinham perturbando os momentos contemplativos que o recolhimento
proporcionava. Vida contemplativa é, por excelência, distensão do corpo e da
alma, repouso estático ocupando a totalidade do ser suspenso no éter. Era na
contemplação que os antigos Gregos encontravam a felicidade suprema.
Facilmente se compreenderá que nem
todos conseguirão deixar-se invadir pela serenidade de ânimo, quietude e
tranquilidade, num ambiente de confinamento forçado, ainda que na casa que
normalmente habitam. Nesse confinamento só se sentirá isolado quem não for
criativo, expressão que não é minha, como não é meu tudo o que aqui escrevo,
são coisas que li ou ouvi em qualquer lado, mas que a outros pertencem.
Como alguém escreveu, não fazer
nada é preciso, a preguiça é fundamental para a criatividade. A aversão ao
trabalho não é não fazer nada é fazer mais com menos esforço. É a lei do menor
esforço que fez avançar a Humanidade. A roda tinha forçosamente que ser inventada.
Um professor e filósofo português,
de cujas ideias muito gosto, dizia que o Homem não nasceu para trabalhar, mas
sim para se divertir, querendo dizer que o Homem pode divertir-se fazendo
aquilo que gosta de fazer. De facto, quando fantasia e trabalho coincidem a
vida é uma diversão. A mistura do ócio contemplativo com a actividade física e
braçal confere ao trabalho dignidade e poesia, separando-o da figura única de
sofrimento, plasmado na expressão tão conhecida entre nós ocidentais “ganharás
o pão de cada dia com o suor do teu rosto”.
Das inúmeras entrevistas que
passam nas televisões ou que se escrevem nos jornais, não me lembro de algum
dos entrevistados ter dito que não gosta do que faz, desde as mais modestas às
mais qualificadas profissões. Mentem os pobres coitados. Numa sociedade como a
nossa, desigual, repressiva e alienante o trabalho não liberta, escravisa, é
coisa penosa, salvem-se as raras e felizes excepções.
A actual crise sanitária leva já a
encarar que outras formas de trabalho são viáveis desde que outras maneiras de
encarar a vida também o sejam. Esperemos que a I. A. produza os meios
necessários para retirarem da actividade humana o que ela tem de penoso, para
que a sociedade do cansaço onde, perante tarefas por qualquer forma penosas,
proliferam as atitudes de “I would prefer not to” , seja substituída pela sociedade
da preguiça, de uma preguiça que se oponha ao trabalho forçado, daquela
preguiça que os sociólogos chamam heroica, que é criativa e impulsionadora do
uso racional dos recursos naturais e tecnológicos de que dispomos.
12 de Junho de 2020.
Sanchez Antunes
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