segunda-feira, 29 de junho de 2020

REGISTOS DE UMA QUARENTENA, OU MAIS




Episódio 17
            A pandemia do covid-19 tem sido fértil em determinações, conselhos e opiniões, controversas, fruto das características ainda em estudo deste malfadado vírus. Não faltaram até mezinhas de fabrico caseiro, tendo como expoente máximo a injecção intravenosa de detergente receitada pelo presidente dos Estados Unidos da América.
            Sem dúvida que o uso da máscara é um daqueles aspectos que mais tem sido badalado desde que a Sra Dra Graça Freitas, Directora Geral da Saúde, começou a falar do assunto.
            Não conheço aquela senhora de lado nenhum, mas apareceu na TV com um ar tão ternurento de avozinha que me faz sentir por ela um grande carinho, reforçado pelas críticas que lhe foram dirigidas numa situação em que ninguém sabia exactamente o que fazer. E então era um dia usa máscara que é muito bom, no outro não usem que é perigoso e voltava-se ao princípio.
            A maneira como vejo o uso da máscara faz-me recordar um episódio que ouvi contar há mais de cinquenta anos a respeito de uma equipe que tinha estado em missão sanitária a pedido do governo de um país daqueles que na altura se chamavam PVD. Contava-se que numa aldeia em zona recôndita desse país ia ser levada a efeito, como experiência, uma acção de controlo da natalidade, através do uso da pilula anticonceptiva. Para que a coisa funcionasse correctamente, para além das explicações, juntamente com o fármaco foi entregue às mulheres um artefacto que tinha um pauzinho no qual estavam enfiadas vinte e quatro bolinhas brancas e creio que quatro bolinhas vermelhas. O esquema era tomar a pílula diariamente e fazer deslizar uma bolinha branca. Quando chegasse às vermelhas não se tomava a pastilha, só se fazia a passagem diária de uma bolinha vermelha e quando chegassem ao fim voltavam às bolinhas brancas e à pílula.
            Quando uns meses mais tarde a equipe voltou à aldeia para apreciar os resultados, verificou que as mulheres que tinham aderido ao esquema estavam todas grávidas. Porém, todas elas tinham passado, rigorosamente todos os dias, as bolinhas de um lado para outro, mas não tomaram as pílulas: é que, segundo elas, o efeito não estaria no medicamento, mas no acto de feitiçaria de passar as bolinhas de um lado para o outro.
            Mas que relação terá esta história com o uso da máscara. Tem e muito. Das pessoas que usam máscara e não são muitas fora dos locais em que ela é obrigatória, vejo que há pessoas, raras, que usam a máscara como é aconselhável o seu uso, mas outras há que a usam das formas mais variadas e criativas: usam-na na testa, no pulso, no braço, no cotovelo, pendurada numa só orelha, na armação dos óculos ou no botão da camisa, fixa no boné, com o nariz de fora, à barbela (que é o mais comum), pendurada no retrovisor do automóvel, no bolso das calças, na mala (caso das senhoras) etc. Tal como naquela aldeia perdida no tempo e no espaço, também cá o que importa é o acto de feitiçaria de exibição da máscara, perante o qual o covid-19 foge a sete pés.
Deus nos valha.
             
24 de Junho de 2020
Sanchez Antunes

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