terça-feira, 31 de março de 2020

DIAS DE DESCOBERTA



Pela manhã, ao alinhar os restos do  sono com a realidade, lembrei-me que era terça-feira, dia de aulas de manhã e de tarde, um dia preenchido. 
Já antevia o sabor gostoso do café e do scone, na esplanada junto ao jardim.   
Liguei o rádio, como habitualmente, e tudo se esvaiu na crueldade dos números que, diariamente, jogam com a nossa sobrevivência. Nem café, nem scone, nem jardim, tudo me era vedado.  
Descobri a importância das coisas simples, que por serem tão simples pareciam intocáveis.
Descobri a importância da normalidade das rotinas, de um "olá bom dia!",  de um sorriso, de um aperto de mão, e até daquelas horas, em que parecia não haver nada de interessante para fazer, quando tudo estava ao nosso alcance!.
Agora está ao nosso alcance, suspender tudo, para que tudo possa voltar a ser possível. 
Fiz um café, uma torrada, e fiquei  a pensar no jardim...

31 Março 2020
MALICE


REGISTOS DE UMA QUARENTENA, OU MAIS.


Episódio 6

Depois do merecido descanso semanal, volto aos meus “episódios”.
Se olharmos à nossa volta com a intenção de encontrar um assunto sobre o qual escrever uma linhas, há tanta coisa que o difícil é a escolha.
Atirei a moeda ao ar, solução fácil para problemas difíceis, e de uma assentada acertei em 10 navios de cruzeiro pairando no meio do mar, com milhares de pessoas a bordo, muitas delas infectadas com o diabólico corona e aos quais, numa atitude desumana e incompreensível,  está sendo recusada por vários países a acostagem para saída das pessoas. Se estivéssemos na Idade Média estes navios seriam considerados amaldiçoados e se em desespero de causa forçassem a acostagem, quem tentasse sair seria apedrejado até à morte. Não estamos naqueles tempos, mas quando a situação se proporciona a “fera” liberta-se e dá razão à expressão criada por Plauto  “o homem é o lobo do próprio homem”.

30 de Março de 2020.
Sanchez Antunes

PROXIMIDADE



Faz hoje quinze dias que me aprisionei em casa. Os noticiários falavam de uma nuvem  terrivelmente ameaçadora que pairava sobre os telhados do burgo e que, quando desabasse em saraiva, ai de quem não se tivesse acautelado. Visto isso, resguardei-me sem saber até quando e sem plano algum que me ajudasse a mitigar a incerteza.
Habituado que fora desde cedo à vadiagem e ao convívio, todo eu desenhado para viver a rua, a perspetiva de tão impreparado recolhimento abraçou-me como gelo. Porém, foi coisa de pouco mais que um instante, pois logo comecei a vislumbrar que, uma vez que tinha de ser assim, esse tempo que perspetivara ser poço de inércia, com algum jeitinho, poderia transitar para tempo de oferta que me desse para, finalmente, fazer coisas que sempre adiadas ou mal pegadas, podiam agora ver sua e minha oportunidade.

Primeiro, acautelar-me, evitando o que trouxesse consigo carga económica. Logo: começando por releituras desafiantes que há tempo de mais encalhadas. Entretanto, pensar, escrever, repousar com serenidade, meditar e conviver com a comunidade de familiares que, tal como eu, estão retidos no mesmo espaço.

Mas o que de facto mais espero atingir com este rol de escolhas e disponibilidade de tempo, é preparar-me para melhor aceder à pratica do maravilhoso culto da imaginação.  E isto porque, vindo desde há muito a suspeitar que a imaginação, embora tida como coisa outra, seja do mesmo corpo do pensar, a sua parte livre, aquela que indomesticável se oferece à arte e à vida surpreendente e inesgotável e que, nos trazendo sob espanto, é ela que nos faz parar, mas logo andar. Vou espreitar e ver se me esclareço.


30 Março 2020
João Santiago      

BEETHOVEN Fur Elise


domingo, 29 de março de 2020

DIAS DE DESCOBERTA


Hoje será mais um dia sem história. Por isso, meu diário, vou-te contar o dia de ontem.
Sábado, um infindável dia, mergulhado numa luz excessivamente brilhante. Um dia com demasiadas horas, em que foi difícil encontrar o equilibro entre a emoção, a realidade e o bom senso. Um dia repetido há tanto tempo, sempre igual e sempre diferente. 
Tudo depende do que se encontra nos bolsos da memória, quando há coragem de lá meter as mãos.
Na solidão imposta, chegou-me o aconchego de vozes amigas, antigas e recentes, cúmplices de anos de vida que deixaram saudade. Chegaram beijos e abraços, promessas de outros dias num ignoto futuro.
Descobri a magia de um brinde com taças de champanhe erguidas  do outro lado da cidade. Descobri que se pode amar à distância.  Descobri que a distância traz selecção e lucidez.
Ontem festejei o dia dos meus anos.

29 Março de 2020
Malice Silva

sábado, 28 de março de 2020

QUE VIVER É ESTE?


Que viver é este em que nos deixámos enredar, em que o tempo não se guia pelo sentido dos ponteiros do relógio, nem pelo ancestral nascer ao pôr do sol, em que a sua dimensão primordial de viver com foi sequestrada, que nos resta senão tentar sobreviver?

Ligamo-nos virtualmente, lembramo-nos até dos familiares e amigos que habitualmente ocupam a segunda residência das nossas preocupações, mas quem disser que isto é viver, mente. Uma moratória, seja. Assim acorrentados, como podemos verdadeiramente dar-nos conta de quem somos, se não temos o espelho do outro para nos confrontar?

28 Março de 2020
arlindo mota

REGISTOS DE UMA QUARENTENA, OU MAIS.


Episódio 5 


A notícia para hoje é que a pandemia pelo coronavirus atingiu entre nós a fase de mitigação, anunciada com início às 00,00 horas desta Quinta-feira. Palavra traiçoeira esta, tal como o corona, pois o seu sentido literal de atenuação é exactamente o contrário do que se quer dizer. Ou seja, estamos pior.
Depois daquelas coisas que todo o mundo faz a seguir ao acordar e levantar, dei por mim embrenhado em pensamentos que não me agradaram nada: estou metido entre “quatro paredes” mas o mundo não pode parar; os bens essenciais continuam a produzir-se; os campos tem que ser cultivados e é a altura disso, para que dentro de alguns meses haja pão; os animais tem que ser tratados; o pessoal da saúde está no seu posto; as ruas continuam a ser limpas e o lixo recolhido. Estou solidário com eles todos, quero ajudar activamente, e a única coisa que me pedem é que não saia de casa. Tão pouco para tão grande tormenta, mas se é esse o meu contributo possível ofereço-o de boa-vontade, mas com um pequeno sangramento: deixa-te estar quieto não vás empatar. É a vida.

26 de Março de 2020
Sanchez Antunes


TELEVISÕES INFETADAS



Todos dizem, e bem, fiquem em casa. Em casa, acordamos com o Coronavírus, tomamos as refeições com o Coronavírus, somos bombardeados até à exaustão com as mortes provocadas pelo Coronavírus em Portugal na Europa e no resto do mundo.
Cada dia é pior do que o anterior. E, ainda se anuncia que vai ser prior.

O coronavírus “infetou” as televisões, as rádios os jornais as revistas e as conferências de imprensa.
A televisão é agora mais do que nunca a única janela para o mundo.
As outras, quando se abrem, fazem entrar nas nossas casas um silêncio constrangedor.

As imagens de ruas vazias, que se costumam ver em filme apocalíticos, saíram da tela, e estão em muitas das nossas cidades.

E, se o estado de emergência for renovado, serão mais 23 dias em casa.

Tenhamos calma e resiliência, porque é
nos momentos difíceis e por vezes únicos que o homem se reinventa.

Fátima Frazão Lopes

DIVAGAÇÕES




Aqui estou em prisão domiciliária, a cumprir a pena que me foi imposta  “Isolamento Social “
Nesta minha cela de isolamento, tento não matar o tempo procuro sim reinventar o tempo em conversas com o meu interior.
Tal como a gaivota solitária de Fernão Capelo estou a aprender a voar para além do meu verdadeiro eu. Espero um dia conseguir.
Hoje não se vive aprende-se a viver.

Fernanda Resende


quinta-feira, 26 de março de 2020

DIÁRIO DE ALICE...Ela que de geometria nunca percebera nada...


Alice estava confusa… diziam-lhe para ficar em casa que pertencia a um grupo de risco, mas ela estava mesmo preocupada era com o pai que longe, embora em boa companhia e com relativa saúde e ânimo e com o filho, camionista internacional, que atravessa amiúde sucessivas fronteiras, tinha de ir trabalhar pois que economia não podia parar mais…Os seus quarenta anos davam-lhe ânimo para descarregar em Roma, parar em Génova, atravessar a costa francesa atá à Catalunha, carregar em Barcelona…mais ou menos de quinze em quinze dias voltava a casa…o pior era os filhos que  não os podia ver…a mais velha  também estava em casa porque a empresa resolvera encerrar todas as suas lojas…o mais pequenito lá continuava atento às aulas virtuais que os professores ainda um pouco desorganizados lhe enviavam por mail e ele transmitia aos colegas menos atentos através de uma aplicação do telemóvel o House party que lhe permitia trocar impressões com os colegas…era assim que se mantinha a par das últimas…Via-os e falava com eles por skipe

De súbito Alice saltou como uma mola, emudeceu as suas reflexões e dirigiu-se repentinamente para junto do televisor que estava a dar o boletim do dia da DGS e ela preocupada com a evolução da curva… ”hoje achatou um pouco”, concluíram os especialistas… e esboçou um quase impercetível trejeito de alívio.
Ela, que de geometria nunca percebera nada…

26 março de 2020
Alice (Pseudónimo, mas não muito…)

ADVINHE QUEM É O AUTOR DESTA CÉLEBRE OBRA


PEDINTES

Hoje, muito cedo, fui dar uma volta pelo jardim frente à minha casa, solitariamente, como deve ser.
Depois de ter percorrido o caminho até ao jardim da Algodeia, deparei com duas situações que me fizeram chorar: uma, uma rapariga que já tenho visto a deambular pelo parque do Bonfim, com uma mochila às costas (cor de rosa) e um olhar completamente absorto, estava hoje sentada num banco e pedia comida, num desespero total. Não me aproximei muito e deixei algum dinheiro a uma certa distância para ela o recolher. Esta cena deu-se junto ao parque das crianças. Continuei o caminho e, quase em frente ao café que existe no jardim e que agora está encerrado, vi um homem, muito mal vestido, que  estava sentado na relva com as mãos na cabeça e a chorar. Voltei a colocar no chão alguns trocos e segui até à mercearia para comprar pão, tendo todos os cuidados possíveis. De regresso a casa, fui pela rua dos correios para seguir pelo Bonfim. Nas escadas do edifício dos correios, situadas no lado esquerdo, outro homem, com a sua bagagem num saco plástico, estendia a mão a quem passava. Eu não tinha mais dinheiro comigo e segui triste e revoltada com tudo o que vi. Quero apelar à polícia, à Câmara e à Segurança Social, que patrulhem estes locais e encaminhem esta pobre gente para um sítio onde possam comer e dormir. Assim que cheguei a casa, telefonei de imediato para a polícia e dei-lhe estas indicações que, aparentemente, foram bem acolhidas, porque me pediram os locais exatos para lá se deslocarem  e tentarem resolver o assunto.
Possivelmente, estas pessoas viviam das esmolas e de alguma comida que os cafés e as pastelarias lhes davam. Agora, com tudo fechado, e sem informação, o que será deles?
Por favor alertem as autoridades sempre que detetarem situações destas.

26 de Março de 2020
Maria do Carmo Branco

CÀ POR CASA II



Nos últimos dias, a rotina da casa foi alterada. Não por falta de gavetas, telefonemas ou imaginação, mas porque a minha gatinha (companheira de 18 anos) esteve doente.
Hoje já estou mais aliviada, pois está a melhorar.
Parece-me que amanhã já consigo retomar as minhas atividades e até dar uma voltinha na minha bicicleta fixa. Quem diria que passados tantos anos voltaria a ser novamente útil.
Fiquem em casa

25 março 2020
Clara Figueiras

quarta-feira, 25 de março de 2020

O QUE ASSUMO



 O que assumo, não é propriamente a escrita de um diário de alguém arcado por desusadas realidades. Mas, o historiar disse alguém que, enquanto detido, tenta fazer relato do esforço empreendido por si, na tentativa de ir empurrando as paredes do confinado afim de criar mais e mais espaço que o contrabalance perante essa incerteza de não saber até quando. Ou seja: uma vez que assim terá de ser, vou entrar em quarentena de devaneio. E digo, que para tanto, não trago planos. Vou observar o desembrulhar dos dias, vou-lhe juntando materiais que de mim venham, mas que desconheço e, com a paciência de um observador do acaso, fico esperando o surpreendente de encontrar um corredor de fuga, que me subtraia a esta estranha sensação de estar a ser roubado aos dias.
Ser a barca
E ser a vela
E mais o vento
Que sopra nela.

25 março 2020
João Santiago


UM CÃO PRESTÁVEL...


Hoje, quando fui colocar o lixo no contentor, cerca das 9H00, as ruas à minha volta estavam desertas e verifiquei que até o Continente estava praticamente vazio. Depois de andar um bocado, frente à minha casa, vi uma senhora com um cão muito engraçado que correu para mim. Fiquei um pouco retraída, mas a senhora que circulava no outro lado da via, disse que ele não fazia mal e que se chamava kiko. Dei um sorriso e pensei (vejam lá que é o nome do meu neto), não haverá outros nomes para dar aos cães ou gatos, senão os nomes de pessoas?. Continuei a caminhada, solitária e, ao fim de 20 minutos, vi o mesmo cão que correu para mim mas, desta vez  com um jovem. Já não tive medo e perguntei em voz alta ao rapaz que circulava noutro passeio se o cão não se chamava Kiko. O jovem disse que sim e perguntou-me se eu conhecia o cão. Respondi que haviam uns 20 minutos o tinha visto a passear com uma senhora e achei estranho o cão já estar ali outra vez. O rapaz a sorrir explicou que: como só havia um cão no prédio onde morava, todos os condóminos vinham passear o cão com autorização da dona. Um negócio a ponderar…
25 março 2020
Maria do Carmo Branco

DIAS DE DESCOBERTA 2



Sempre se ouviu dizer que "quem não tem cão caça com gato", e nunca foi tão verdadeiro como neste tempo, para o qual ninguém estava  preparado. 
No entanto há muita coisa a descobrir!
Numa gaveta, daquelas onde guardamos tudo o que não faz falta, descobri :
-abre-latas de antigas latas de conserva com uma patilha que por vezes se partia antes de enrolar
-carteiras de fósforos de locais onde não me lembro de ter estado
-kits de costura com linhas coloridas, uma agulha e um botão, cuja origem já esqueci
-rolos de cordéis, laços de prendas, tão bonitos, que era pena deitar fora
-agendas com telefones que já não tocam, chaves de portas que o tempo fechou
-um guardanapo de papel com uma receita de "bolo Inglês"
Vou guardá-lo. Nestes dias de isolamento pode vir a fazer falta.
O resto, já teve o seu tempo...
Malice Silva 

NESTES DIAS DE RECOLHIMENTO...



 Nestes dias de recolhimento, o que mais sobra é o tempo e a preguiça, o que nos faz pensar sobre o muito isto e aquilo que há/houve nas nossas vidas. Ora, de tanto ouvir a tal palavra, dei por mim a desconfiar que a dita encerrava em si própria a origem etimológica dela e que é «isola» Fui investigar e estava certo.E, então, temos ilha, isla, insula, ille e até island . Esta última mostra-nos o como a Língua Anglo-Saxónica também não ficou imune ao Latim. Portanto, estar isolado é fazer de si próprio uma ilha.  Muito que eu gostava de saber Latim. A propósito, o Professor Frederico Lourenço está a dar aulas de Latim online para quem estiver interessado.

25 março 2020
Manuel da Costa

terça-feira, 24 de março de 2020

REGISTOS DE UMA QUARENTENA, OU MAIS




A referência ao imperador Marco Aurélio feita no blogue fez-me recuar muitos anos quando li, ainda jovem, os “Pensamentos” (também já vi escrito Meditações) que o imperador escreveu para si mesmo.
Não sou adepto do culto da personalidade, mas ao longo da história podem encontrar-se personalidades que admiro e aprecio e este imperador é uma delas, até porque a história o considerou o último dos bons imperadores e os homens bons fazem parte do meu credo, não precisando para isso de ser santos nem de fazer milagres. Os homens bons são o contraponto da humanidade sempre má. A este propósito gostaria de citar parte de um pensamento do imperador: “A alegria do homem é fazer tarefas próprias do homem. Uma tarefa própria do homem é ser bom para os semelhantes…”
Vem bem a propósito dos tempos que estamos vivendo recordar Marco Aurélio, por ser bom para os semelhantes e, para além disso, estoico, filosofia onde podemos ir beber alguns ensinamentos para enfrentar com sucesso a crise quase caótica do momento.  

Setúbal, 24 de Março de 2020
J. Antunes



ERA DOMINGO


Domingo de Primavera do ano 2020


Levantei-me às 8,30h, abri os estores de minha casa, olhei para a rua e estranhei não ver ninguém.
Pensei que, por ser domingo, as pessoas ficaram mais tempo na cama. Fiz a minha higiene pessoal, preparei o pequeno almoço e quando acabei resolvi sair. Ir passear  no Jardim do Bonfim, tomar um café e comer um pastel de nata, um mimo domingueiro. 
De repente voltei à realidade: ESTAMOS DE QUARENTENA 
Regressei a casa e aproveitei para ler um livro.Agora tenho tempode sobra para ler...

José Fernandes

A QUARENTENA DOS LOPES



A Nossa, muito igual a tantas outras, em cumprimento das regras sugeridas / impostas. 

No meu caso pessoal, dura já há 13 dias em consequência duma entorse grave do pé direito que me transportou para a imobilização.
Visitando a janela, “o silêncio do silêncio”,  numa visão sempre igual, duma grande área de relvado e árvores que alheias aos vírus, continuam a crescer rapidamente e num verdejante admirável.
A Natureza é linda 🌳

Fátima Frazão Lopes

REGISTOS DE UMA QUARENTENA, OU MAIS.




Episódio 3*

Domingo, 22 de Março de 2020.

O dia nasceu com um Sol radioso, ainda que com uma brisa fresca. Não resisti ao apelo, coloquei uma espreguiçadeira na varanda e fui apanhar um banho de sol.
Olhei para baixo, tudo calmo. Não há deposição de lixo. Da praceta em frente surge um vizinho de cigarro na mão. Gesticula e fala sozinho, coitado, deve estar marado.
Várias pessoas passeavam pela trela os cães e cãezinhos. Como praticamente não havia trânsito, iam pelo meio da rua. Um deles, já conhecido, deslocando-se em cadeira de rodas passeava um cão bastante grande.
Reparei num “binómio” que reputei de estranho: o cão era pequenino e o dono muito grande. O senhor era muito alto, tinha farta cabeleira e farto e negro bigode e tão negro era que me colocou dúvidas se não seria pintado. Usava óculos de lentes grossas emoldurados por espessas sobrancelhas. O cãozinho era pequenino e branquito. Usava uma capinha, às riscas brancas e castanhas, que o cobria do pescoço ao rabo. O dono, cumpridor do dever cívico de recolher os dejectos do animal, trazia na mão um saquinho de plástico para o efeito. Para além disso mostrou-se muito asseado e cuidadoso com o animal: depois do bichinho fazer as necessidades, limpou-lhe o traseiro com papel higiénico que trazia no bolso. Confesso que nunca tal tinha visto.
J. Antunes  

* O episódio 2 ficará omisso por decisão do autor


O KIKO



Hoje, quando fui colocar o lixo no contentor, cerca das 9H00, as ruas à minha volta estavam desertas e verifiquei que até o Continente estava praticamente vazio. Depois de andar um bocado, frente à minha casa, vi uma senhora com um cão muito engraçado que correu para mim. Fiquei um pouco retraída, mas a senhora que circulava no outro lado da via, disse que ele não fazia mal e que se chamava kiko. Dei um sorriso e pensei (vejam lá que é o nome do meu neto), não haverá outros nomes para dar aos cães ou gatos, senão os nomes de pessoas?. Continuei a caminhada, solitária e, ao fim de 20 minutos, vi o mesmo cão que correu para mim mas, desta vez,  com um jovem. Já não tive medo e perguntei em voz alta ao rapaz que circulava noutro passeio se o cão não se chamava Kiko . O jovem disse que sim e perguntou-me se eu conhecia o cão. Respondi que haviam uns 20 minutos o tinha visto a passear com uma senhora e achei estranho o cão já estar ali outra vez. O rapaz a sorrir explicou que: como só havia um cão no prédio onde morava, todos os condóminos vinham passear o cão com autorização da dona. Um negócio a ponderar…
Maria do Carmo Branco

DIAS DE DESCOBERTA


2ª feira 23/03/2020

Da minha varanda vejo o rio. Um cenário de luz azul, um privilégio, que compensa o isolamento.
Como aqui perto não há um jardim, um parque, um rectângulo de relva, onde possa esticar as pernas, descobri que na minha varanda da frente, posso dar 40 passos, vinte em cada direcção, e outros tantos na varanda das traseiras, o que somado dá 80 passos em cada "caminhada". Não é mau! 
Descobri, nas janelas dos prédios em redor, vizinhos que nunca tinha visto.
No sábado de manhã, ao atravessar a rua deserta, depois de ter ido esvaziar o saco da reciclagem, ouvi : "Bom dia, vizinha, tudo bem?" como ali não estava mais ninguém, achei que devia ser comigo. Olhei para a origem da voz , e, na janela de um 1º andar, um sorridente senhor, que não conhecia, acenava um solidário "Bom Dia", a que correspondi.
Descobri que estamos no mesmo lado das trincheiras.

malice

UMA FRASE E UMA CANÇÃO


Uma frase (Charlie Chaplin)
“You’ll never find a rainbow if you’re looking down”


Uma Canção

SMILE


Smile though your heart is aching
Smile even though it’s breaking
When there are cloud’s in the sky, you’ll get by
If you smile through your fear and sorrow
Smile and maybe tomorrow
You’ll see the sun come shining through for you
Light up your face with gladness
Hide every trace of sadness
Although a tear may be ever so near

That’s the time you must keep on trying
Smile, what’s the use of crying?
You’ll find that Life is still worthwhile
If you just smile…


Fernando Claudino

CÁ POR CASA I


Cá por casa a quarentena voluntária começou na sexta dia 13, desde então não saímos.
Em família foi estabelecido que seria a minha filha mais velha que faria as compras. Felizmente, tenho bons vizinhos que também ajudam.
Para tornar o dia a dia mais agradável estabeleci uma rotina: a manhã é dedicada a mexericar em gavetas da vida. Esta atividade é interrompida apenas por telefonemas de algum aluno que precise de ajuda -o que faço com muito agrado -, ou de familiares e amigos.
Como tenho quintal, aproveito o sol para mim e para tudo o que vou lavando. Entre limpezas, arrumações, telefonemas e esclarecimentos assim passo os dias: bem e depressa.
Fiquem em casa, pela saúde de todos.

Utilize Hangouts, Duo, Skype, Facebook, Facetime, WhatsApp para falar e ver os amigos

23 março 2020
Clara Figueiras

REGISTOS DE UMA QUARENTENA, OU MAIS...


Episódio 1

Sábado, 21 de Março de 2020.
Comecei hoje a fazer o registo escrito daquilo que das minhas janelas posso ver e do pouco que me vai acontecendo, neste período de recolhimento, e que de algum modo sacodem a minha natural preguiça para escrever banalidades. 
Reparo que a nossa paisagem urbana é marcada indelevelmente pelos contentores do lixo. Não me lembro de ter reparado neste pormenor noutras cidades, no estrangeiro. Da minha casa consigo ver nada menos que cinco locais de contentores, quatro dos quais tem também contentores para reciclagem.
O lixo é um problema de monta (recolha, transporte, reciclagem, reaproveitamento, deposição, etc.) e até já deu origem a estudos que avaliam o grau de desenvolvimento das sociedades pela qualidade de lixo que produzem.
Nestes tempos de crise a população foi alertada para o dever cívico do cumprimento do horário de deposição do lixo nos contentores: entre 19 e as 21 horas. Pois às 9 horas da manhã vi um morador deitar o lixo no contentor. Anda distraído, pensei. Qual quê, durante toda a manhã, cada vez que me assomava à janela, vi pessoas a libertarem-se dos restos da sua actividade doméstica. Mais, às 13.30 horas foi a vez de um agente da autoridade depositar o seu lixo. É demais, basta de lixo.    

José A. Sanchez
   

QUANDO O VENTO SOPRA...


O Castelo lá estava. Parecia mais perto hoje. Apetecia-me abraçá-lo, dizer-lhe como ele sempre estivera ligado à minha vida. Quando vim para cá morar apercebi-me de que ele se escondia de mim mais frequentemente do que desejava. Resolvi então pegar num bloco de papel que tinha inscrito o calendário anual para assinalar os dias em que a neblina me roubava a minha vista preferida. Assim procedi durante mais de um ano, até que os registos começaram a ser mais espaçados e por fim desapareceram, como tudo na vida…
Não me arrependo dessa cumplicidade. Nestes momentos em que precisava mais de ti, não me desiludiste. Imponente, metafórico quase, esforças-te num grande beijo às mães de Portugal, que são as tuas ameias. Obrigado pela saudade…
24 março 2020
arlindo mota

domingo, 22 de março de 2020

21 MARÇO 2020


Hoje, esta tranquilidade forçada… Neste dia de sol radioso, levantei-me cedo e fui andar, solitariamente, para o espaço livre e com vegetação, que rodeia a minha casa, sem deixar de passar pela casa de algumas amigas, falando elas da janela e, eu, da rua (Idália, Nini, Antonieta e Maria Matos).
Foi bom ver os seus rostos sorridentes e matarmos um pouco a saudade da nossa convivência diária. Neste meu trajeto, apenas encontrei 2 pessoas (um homem e uma mulher) que também caminhavam, muito espaçadamente. Este breve passeio de 45 minutos deu-me um pouco de alento e de força para enfrentar esta solidão.
Resta-me referir que, embora sem aproximação, tive a alegria de ver a minha filha, que me veio mimar, mesmo sem a puder abraçar…
21 Março 2020

Maria do Carmo Branco


HISTÓRIAS DO SENHOR K. (Conclusão)

Eles agradeceram-lhe este favor de amigo, levaram o camelo e, desta vez, dividiram os camelos de tal maneira que o mais velho ficou com metade, que são nove camelos, o do meio, com um terço, que são seis e o mais novo um nono, que são dois.
Para seu grande espanto, depois de terem retirado para o lado dos camelos que eram deles, ficaram com um camelo a mais. Este, foram eles restitui-lo ao velho amigo, renovando os agradecimentos.
O senhor K. apelidava de correcto este favor de amigo, porque não exigia nenhum sacrifício especial.
Bertolt Brecht, Histórias do senhor Keuner

BERTOLD BRECHT, Histórias do senhor Keuner


FAVORES DE AMIGO
Como exemplo da maneira correcta de fazer um favor a amigos, o senhor K. narrava a história que se segue. Três jovens vieram ter com um velho árabe e disseram-lhe: “ O nosso pai morreu. Deixou-nos ficar dezassete camelos e dispôs no testamento que o mais velho deve ficar com metade dos camelos, o do meio com um terço e o mais novo com um nono. Ora nós não conseguimos chegar a acordo sobre a divisão: assume tu a decisão!”
O velho árabe pôs-se a pensar e disse: “Pelo que eu vejo, vocês, para poderem dividir bem, têm um camelo a menos. Eu por mim tenho só um único camelo mas está à vossa disposição. Levem-no e dividam, e traga-me só o que ficar a mais.

sexta-feira, 20 de março de 2020

20 MARÇO DE 2020


Chegou triste, enrolada na chuva, escondida numa máscara que lhe cobria o rosto. Mantida à distância regulamentar de segurança, ninguém a reconheceu, nem saudou.
No tempo das mudanças vertiginosas, das incertezas constantes, pontual, silenciosa e eterna, chegou a Primavera.
Malice Silva

ALFONSE MUCHA, UM DOS EXPOENTES DA ART NOUVEAU



Um notável artista checo, pintor, ilustrador, designer gráfico que podem visitar no Mucha Museum de Praga

Foto: arfemo

LÓGICO, DISSE ELE...COMO OBTEVE A RESPOSTA?


Um explorador visita um país cujos habitantes ou vivem na planície ou na montanha. Falam todos a mesma língua, mas os da planície nunca mentem, ao passo que os da montanha são mentirosos inveterados.
O explorador conhece muito mal a língua. Sabe que Ling ou Ong significam sim e não, mas não sabe ao certo qual das duas significa sim ou não. Resolve então, perante três habitantes do país pôr a cada um deles estas duas questões:
«Aqueles teus dois amigos são da planície?», «aqueles teus dois amigos são da montanha?». Todos respondem ling a cada pergunta, excepto um deles, que responde ong à segunda questão.

Qual o significado de ling?

A OBRA E O SEU CRIADOR: ISABEL CHORA


Um magnífico autoretrato da pintora Isabel Chora, na exposição realizada na UNISETI - Universidade Sénior de Setúbal.

Foto: arfemo

OS COMPORTAMENTOS


Esta situação que estamos vivendo, veio criar hábitos que não eram normais.
Estou confinada à minha casa, com uma varanda onde leio e passo algumas horas, desde que esteja bom tempo, claro está.
Outro dia, deparei com uma situação que muito me impressionou e que se passou junto aos contentores do lixo que se encontram quase em frente do prédio onde moro. Uma senhora, com uma certa idade, separava o seu lixo pelos diversos contentores, enquanto um rapazinho que não devia ter mais de 12 anos, esperava com um saco na mão que a senhora terminasse para colocar o seu lixo. Eis que, uma jovem mulher, avançou sem esperar e, quase junto à senhora mais idosa, começou a colocar o seu lixo sem respeitar nada nem ninguém, e sem se importar com o rapazinho que aguardava na fila
Pensando bem, são as atuações de pessoas como esta, sem educação, que denigrem o país e a sociedade. Contudo, esta gente ignorante, está a ser substituída por crianças que estão atentas ao que se passa, e que dão uma lição de cidadania.
Apetecia-me sair e ter ido abraçar aquela criança, mas, por razões óbvias, não o pude fazer. Parabéns aos pais que educam os filhos desta forma, bem como a alguns professores que ensinam e educam aqueles que são o futuro do país. Bem hajam!

Maria do Carmo Branco

quinta-feira, 19 de março de 2020

QUEM É O AUTOR?



Uma dica: Foi o autor de um belissímo cartaz da Feira de Santiago nos anos pós-25 Abril...

REFLEXÃO II


Estes tempos difíceis são de facto uma prova a todos nós - humanidade - . Devemos aproveitar para reflectir.
Oxalá que se retirem lições para que o futuro dos nossos filhos e netos possa ser encarado com uma perspectiva positiva.
Se não aproveitarmos isto para um "acordar" e uma mudança de mentalidade e paradigma, se não aprendermos a perceber o que é realmente importante, então todo este esforço, sacrifício e vidas perdidas, não servirá para nada.
Obrigada mais uma vez!

Ana Maria B.



O MEU DIÁRIO

Ele percorria de uma forma estranha os corredores familiares do supermercado. A carne e o peixe desapareciam a um ritmo alucinante. Arroz e farinha tinham desaparecido literalmente. Álcool e gel há muito que não se viam. Tranquilamente, adquiri um queijo tipo serra, uns gelados (mini), pão, pequenas coisas para um quotidiano próximo do normal. Uns vinhos, confesso, um Syrah estava em promoção: levei 10 garrafas dado que era um excelente preço. Lembrei-me das pilhas, pois se tinha que ficar em casa não me parecia mal pensado estar apetrechado, pois a minha WII há tempo que não era utlizada e – pensei eu – é desta vez que me vou aproximar dos níveis de performance mais elevados no meu jogo de ténis contra a máquina. Era tudo talvez um pouco irracional. Depois lembrei-me de que minha mulher me pedira uns rolos de papel de cozinha e outros tantos de papel higiénico (de quatro folhas, insistira ela, sublinhando a cor) e uns pacotes de lenços de papel.
Encontrei um vizinho que fora trocar um aparelho que não funcionava (acontece às vezes, naquelas promoções…) e dirigi-me para a prateleira onde esses produtos costumavam estar. À minha frente, uma senhora, com dois carrinhos, acabara de esvaziar por completo a prateleira. Fiquei alerta. Troquei impressões com o vizinho que fizera um trejeito resignado, “ que já na véspera tinha sido assim…”. Dirigimo-nos à caixa, eu um pouco desolado, pois não escaparia do habitual comentário “nem um recado sabes fazer…”, quando um diligente funcionário ouvindo o meu comentário (eu falara em voz alta sem me aperceber) retorquiu “há-de ver daqui a meia hora (eram 17h30m) vai ser um verdadeiro assalto, é assim há dois dias!”. Então e vocês não podem fazer nada para evitar esta loucura?. Ele fez um sorriso céptico e encolheu os ombros.


Hoje, tinha visitas de família, e o papel podia escassear, voltei lá. Lá se encontrava a mesma senhora, mais os seus dois carrinhos cheios de papel higiénico. Não hesitei, levara um blazer cinzento escuro, fiz um ar carrancudo, puxei rapidamente um cartão onde deixava antever o selo da República portuguesa e sem mais delongas, afirmei em voz baixa mas firme: “sou da ASAE, a senhora está sujeita ao pagamento de uma coima de 50 euros, se não deixar toda a mercadoria de um dos carros aqui, nas prateleira de onde as retirou”. Surpreendida a senhora, entre o estupefacto e o timorato, obedeceu instantaneamente, balbuciando um quase inaudível pedido de desculpas. Nisso, acordei estremunhado, acordando a minha mulher, que ficou assustado com o meu ar ameaçador e a minha expressão extremista: ”Para a próxima será detida”.
Foi assim, o meu primeiro dia…
arlindo mota

Leonardo Cohen FOR ANNE