quinta-feira, 19 de março de 2020

O MEU DIÁRIO

Ele percorria de uma forma estranha os corredores familiares do supermercado. A carne e o peixe desapareciam a um ritmo alucinante. Arroz e farinha tinham desaparecido literalmente. Álcool e gel há muito que não se viam. Tranquilamente, adquiri um queijo tipo serra, uns gelados (mini), pão, pequenas coisas para um quotidiano próximo do normal. Uns vinhos, confesso, um Syrah estava em promoção: levei 10 garrafas dado que era um excelente preço. Lembrei-me das pilhas, pois se tinha que ficar em casa não me parecia mal pensado estar apetrechado, pois a minha WII há tempo que não era utlizada e – pensei eu – é desta vez que me vou aproximar dos níveis de performance mais elevados no meu jogo de ténis contra a máquina. Era tudo talvez um pouco irracional. Depois lembrei-me de que minha mulher me pedira uns rolos de papel de cozinha e outros tantos de papel higiénico (de quatro folhas, insistira ela, sublinhando a cor) e uns pacotes de lenços de papel.
Encontrei um vizinho que fora trocar um aparelho que não funcionava (acontece às vezes, naquelas promoções…) e dirigi-me para a prateleira onde esses produtos costumavam estar. À minha frente, uma senhora, com dois carrinhos, acabara de esvaziar por completo a prateleira. Fiquei alerta. Troquei impressões com o vizinho que fizera um trejeito resignado, “ que já na véspera tinha sido assim…”. Dirigimo-nos à caixa, eu um pouco desolado, pois não escaparia do habitual comentário “nem um recado sabes fazer…”, quando um diligente funcionário ouvindo o meu comentário (eu falara em voz alta sem me aperceber) retorquiu “há-de ver daqui a meia hora (eram 17h30m) vai ser um verdadeiro assalto, é assim há dois dias!”. Então e vocês não podem fazer nada para evitar esta loucura?. Ele fez um sorriso céptico e encolheu os ombros.


Hoje, tinha visitas de família, e o papel podia escassear, voltei lá. Lá se encontrava a mesma senhora, mais os seus dois carrinhos cheios de papel higiénico. Não hesitei, levara um blazer cinzento escuro, fiz um ar carrancudo, puxei rapidamente um cartão onde deixava antever o selo da República portuguesa e sem mais delongas, afirmei em voz baixa mas firme: “sou da ASAE, a senhora está sujeita ao pagamento de uma coima de 50 euros, se não deixar toda a mercadoria de um dos carros aqui, nas prateleira de onde as retirou”. Surpreendida a senhora, entre o estupefacto e o timorato, obedeceu instantaneamente, balbuciando um quase inaudível pedido de desculpas. Nisso, acordei estremunhado, acordando a minha mulher, que ficou assustado com o meu ar ameaçador e a minha expressão extremista: ”Para a próxima será detida”.
Foi assim, o meu primeiro dia…
arlindo mota

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