terça-feira, 28 de abril de 2020

ENTRE OS FINAIS DE ABRIL E O COMEÇO DE MAIO, FRAGMENTOS DA MEMÓRIA


Naquela madrugada, um pássaro expressivamente maravilhoso pousou na torre mais alta da cidade. Pela manhã, ao atravessarem a praça, as pessoas detiveram-se perante aquele encantamento que desde o alto as atraía. E, assim, se mantiveram sem arredar pé, enquanto entoavam cantos iluminados por uma rara alegria, como quem aproveitando tão elevado olhar, se entregassem à rápida expurga de indigestas e mal-amadas narrativas que anos a fio vieram tragando. Mas o pássaro é pássaro de muitos caminhos a fazer e, um dia, ergueu-se de asas amplas espelhadas pelo sol, deu várias voltas no céu apelante, como quem convida a seguirem-no e, depois, encaminha-se rumo ao horizonte. As pessoas não compreendendo o apelo não o seguiram. Viram-no distanciar-se, distanciar-se mais e mais. Ficando desse marcante encontro um resto de  palavras que, agarradas a todos, veem uma vez por ano, dar uma voltinha em torno da nossa lembrança.

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Pousamos a substância sobre a pedra fria do balcão e trocamo-la por palavras. Porém, as palavras são símbolos para a prática do dizer (e, tantas vezes do enganar). E, ainda mesmo que contorcidas, esticadas ou manipuladas recorrendo-se às mais engenhosas formas. Nunca saberão ser mais que palavras.

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E porque naquele dia vieste para falar da liberdade, escutei-te um dia inteiro sem dizer nada. Mas, já eram tantas as palavras acumuladas entre nós, que sem repararmos, as demasiadas palavras separaram-nos.

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Não sei se saberemos algum dia escrever uma história que tenha portas por todo o lado, para que as personagens possam esquivar-se, sempre que o narrador as encaminhe para as proximidades do labirinto.

 27 de Abril de 2020
João Santiago

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