Cauteloso, o gato, agarrou-se ao tronco da árvore e
foi subindo até aos galhos mais altos, onde se instalou. Ao quinto dia de
recolhimento, deparou com o Funcionário chefe que passava por baixo e,
chamou-o. Senhor Funcionário chefe, ó senhor Funcionário chefe, é cá em cima,
sou eu, o gato. O Funcionário chefe, olhando para cima e, vendo o gato, sem
esperar atalhou logo: O que é que foi fazer aí para cima? Se é para chamar os bombeiros
para o virem tirar de lá, esqueça, eles andam bastante ocupados a transportar
doentes, agora não têm tempo para gatos. Ainda assim posso ajudá-lo, indicando
que o caminho que tomou para cima é o mesmo a tomar para baixo, só que desta
vez é a descer. E se achar que descer é mais complicado, indico-lhe para tentar
descer em espiral, assim como que em rosca. Compreende? Não, Senhor Funcionário
chefe, respondeu o gato. Eu estou bem onde estou, não quero sair daqui, é que
tendo avistado a passagem do Senhor aí por baixo, e tendo colhido, pelas
explicações que acabou de me dar agora, que o Senhor é generoso e sabedor.
Aproveitava para fazer-lhe uma pergunta: - Por que é que em Madrid e em Paris
estão a padecer mais pessoas com a epidemia do que no nosso Alentejo ou no
deserto do Saara? – Ora, gato, eu a perder consigo o meu precioso tempo, a ser
gentil, e você vem agora com um disparate desses. Então, não lhe é óbvia a
diferente densidade de habitantes? – Eu vejo bem, Senhor Funcionário chefe, não
é disparate, não. Era aqui mesmo que esperava que chegássemos. Cá de cima vejo
tudo e oiço tudo e, especialmente o que oiço, está a trazer-me preocupado. – E,
preocupado, pela expressa intenção dos Senhores Funcionários chefes em porem a
funcionar, de pressa e sem alterações, um estilo de economia cimentado,
precisamente, na aglomeração intensiva de pessoas. E se, assim for, revelasse
aos meus olhos que não foi percebida a lição, e que, pela precisa porta que se
abriu ao erro, poça vir a entrar um grande tiro no peito. E, nesse caso
digo-lhe já, que não vou sair daqui. Entro num processo de adaptação, aprendo a
comer as folhas da árvore, e… cá me arranjarei.
Nisto, vinham a passar por ali dois funcionários de
menor posto, e ordena-lhes o Funcionário chefe: amanhã, veem aqui, e derrubam
esta árvore por incumprimento sucessivo das regras do recolher obrigatório.
15 de Abril de
2020
João Santiago
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