“Alone”
Tomara a decisão de sair, duas semanas após entrar em
clausura compulsiva, para adquirir alimentos. Trôpego, parecia, enquanto ia
calçando os sapatos que agora usava apenas para ir à rua. As jeans que usara no segundo dia de
confinamento, mantinham-se no cadeirão do átrio da entrada após terem estado a
crestar ao sol, durante largas horas. Vesti-as (com algum receio, confesso…) e
procurei o impermeável que agora me acompanhava sempre que saía o umbral da
porta. Cobria-me quase até aos pés. Ao regressar ele já sabia o seu lugar e a
quarentena que iria sofrer no estendal da roupa.
Calcei uma luva descartável, fechei a porta cuidadosamente e,
pé ante pé, dirigi-me ao ascensor, não sem antes perscrutar se algum vizinho
estaria também no seu encalço. Carrego no botão de chamada (volto a verificar
automaticamente se tenho a luva…) e revejo mentalmente como fazer antes de
abrir a porta da entrada colectiva… eis senão quando oiço, um agora inóspito,
gargalhar de alegria e uma voz conhecida (eram as minha vizinhas do terceiro
andar, mãe e filha) se me dirigiu, mantendo cautelosamente a distância social,
e pergunta-me, apontando para o cachorrinho que acabara de adoptar “Quer ser o
padrinho, vizinho? que nome sugere?” e, eu, apanhado de surpresa e ainda tenso,
surpreendido com a interpelação e o pedido, balbuciei “Alone”. Elas aceitaram
de imediato (aceitariam um qualquer, parece-me…) mas por que me acorrera
“Alone”? Estado de espírito, talvez. Confirmei depois no site da Lista de nomes
caninos, que esse era agora um dos nomes mais frequentemente escolhidos…
3 Abril de 2020
arlindo
mota
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