Episódio
8
Não posso dizer
que este confinamento a que as circunstâncias nos obrigaram esteja a ser, para
mim, penoso. Interiorizei que tem que ser assim e, deste modo, tudo se torna
mais suportável.
Porém, aquilo que
sinto que me daria grande prazer era dar um passeio pela beira-mar, lá em
baixo, com o rio pertinho. Mas já que não o posso fazer, sonho com isso e com
as caminhadas que vou dar na praia, de manhã cedo, quando a maresia é mais
forte e a areia que o mar afagou durante a noite está lisa e olhar para trás e
ver a minhas pegadas, perseguindo-me invejosas.
Também gostaria
de subir a Arrábida e olhar o mar. Sim! Olhar o mar não é ver o mar, como já o
tenho dito: ver o mar é avaliar a altura das ondas, a temperatura da água, a
quantidade de sal, a cor da água eu sei lá. Olhar o mar é outra coisa, tem
aquilo tudo mais o sonho. Aquele sonho que há séculos nos atormenta quando
olhamos para o mar e para aquela linha de curva tão suave, lá longe, onde o céu
se afunda e o mar se alevanta. Para lá dessa linha já sem mistérios, o sonho
perdura na memória coletiva de um povo que fez do Sul o seu desígnio e, para
sul, o mar.
2
de Abril de 2020,
Sanchez
Antunes
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