Naquela madrugada, um
pássaro expressivamente maravilhoso pousou na torre mais alta da cidade. Pela
manhã, ao atravessarem a praça, as pessoas detiveram-se perante aquele
encantamento que desde o alto as atraía. E, assim, se mantiveram sem arredar
pé, enquanto entoavam cantos iluminados por uma rara alegria, como quem
aproveitando tão elevado olhar, se entregassem à rápida expurga de indigestas e
mal-amadas narrativas que anos a fio vieram tragando. Mas o pássaro é pássaro
de muitos caminhos a fazer e, um dia, ergueu-se de asas amplas espelhadas pelo
sol, deu várias voltas no céu apelante, como quem convida a seguirem-no e,
depois, encaminha-se rumo ao horizonte. As pessoas não compreendendo o apelo
não o seguiram. Viram-no distanciar-se, distanciar-se mais e mais. Ficando
desse marcante encontro um resto de
palavras que, agarradas a todos, veem uma vez por ano, dar uma voltinha
em torno da nossa lembrança.
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Pousamos a substância
sobre a pedra fria do balcão e trocamo-la por palavras. Porém, as palavras são
símbolos para a prática do dizer (e, tantas vezes do enganar). E, ainda mesmo
que contorcidas, esticadas ou manipuladas recorrendo-se às mais engenhosas formas.
Nunca saberão ser mais que palavras.
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E porque naquele dia
vieste para falar da liberdade, escutei-te um dia inteiro sem dizer nada. Mas,
já eram tantas as palavras acumuladas entre nós, que sem repararmos, as
demasiadas palavras separaram-nos.
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Não sei se saberemos algum
dia escrever uma história que tenha portas por todo o lado, para que as
personagens possam esquivar-se, sempre que o narrador as encaminhe para as
proximidades do labirinto.
27 de Abril de 2020
João Santiago
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