Hoje estou triste. Talvez mais cansada
do que triste, já nem sei distinguir. Salto de livro para livro sem me fixar,
salto de música para música, percorro, nas varandas abertas sobre ruas vazias,
um caminho que não leva a lugar nenhum.
Sinto-me a andar às voltas, como um
peixe, num balão de água, que apenas reflecte a imagem deformada da
sua solidão.
Esta peste que nos condena, virou a vida
do avesso, evidenciou as fragilidades da humanidade, pôs em causa a aplicação
de regras de sobrevivência baseadas em conceitos, como "casa",
"higiene", "isolamento ".
Num documentário que passou ontem num
canal não português, um técnico duma ONG ensinava dezenas de crianças
num campo de refugiados a lavar as mãos. E as crianças, sorridentes, com os
restos da inocência perdida nos campos da guerra e da fome,
entrelaçavam os dedinhos sujos, esfregavam as mãos, desajeitadas, a
seco, porque não tinham água nem sabão!
Como se pode dizer a quem vive numa
tenda, com uma torneira de água para centenas de pessoas, para ficar
"em casa" e lavar frequentemente as mãos ?
Como se pode dizer a uma família que
vive amontoada numa "casa" de tabique, lata ou cartão, para isolar um
infectado?
Como se pode dizer a quem tem de
vir para a rua ganhar o pão de cada dia, para ficar em quarentena?
Já não há records olímpicos
para bater, agora os records são as vidas perdidas, transformadas em
linhas coloridas, gráficos explicados por apresentadores, de voz exaltada, no
campeonato da morte.
Não digam que "vai ficar tudo
bem" porque não vai!
Os pobres ficarão mais pobres, outros
pobres surgirão, as desigualdades serão maiores e os mais
frágeis, engrossarão a linha negra das estatísticas.
Não esquecerei, a menina sorridente, de
cabelos sujos e desgrenhados que, num campo da Grécia, lavava as mãos sem
água nem sabão!
8 de Abril de 2020
MAlice Silva
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