quarta-feira, 8 de abril de 2020

DIAS DE DESCOBERTA



Hoje estou triste. Talvez mais cansada do que triste, já nem sei distinguir. Salto de livro para livro sem me fixar, salto de música para música, percorro, nas varandas abertas sobre ruas vazias, um caminho que não leva a lugar nenhum.
Sinto-me a andar às voltas, como um peixe, num balão de água, que apenas reflecte a imagem deformada da sua solidão.
Esta peste que nos condena, virou a vida do avesso, evidenciou as fragilidades da humanidade, pôs em causa a aplicação de regras de sobrevivência baseadas em conceitos, como "casa", "higiene", "isolamento ".  
Num documentário que passou ontem num canal não português, um técnico duma ONG ensinava dezenas de crianças num campo de refugiados a lavar as mãos. E as crianças, sorridentes, com os restos da inocência perdida nos campos da guerra e da fome, entrelaçavam os dedinhos sujos, esfregavam as mãos, desajeitadas, a seco, porque não tinham água nem sabão! 
Como se pode dizer a quem vive numa tenda, com uma torneira de água para centenas de pessoas,  para ficar "em casa" e  lavar frequentemente as mãos ?
Como se pode dizer a uma família que vive amontoada numa "casa" de tabique, lata ou cartão, para isolar um infectado?
Como se pode dizer a quem tem de vir para a rua ganhar o pão de cada dia, para ficar em quarentena?
Já não há records olímpicos para bater, agora os records são as vidas perdidas, transformadas em linhas coloridas, gráficos explicados por apresentadores, de voz exaltada, no campeonato da morte.
Não digam que "vai ficar tudo bem" porque não vai! 
Os pobres ficarão mais pobres, outros pobres surgirão, as desigualdades serão maiores e  os mais frágeis, engrossarão a linha negra das  estatísticas. 
Não esquecerei, a menina sorridente, de cabelos sujos e desgrenhados que, num campo da Grécia, lavava as mãos sem água nem sabão!

8 de Abril de 2020 
MAlice Silva

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