quarta-feira, 15 de abril de 2020

CARTA EPITÁFIO PARA UMA VÍTIMA DA COVID 19


Logo de manhã cai sobre mim a notícia: Maria de Sousa, a cientista portuguesa aplaudida, premiada e respeitada em todo o mundo, a quem a Imunologia tanto deve, morreu na noite passada, num Hospital lisboeta, vitimada pela COVID 19. Ela, que preferia aos “dias de sul” as “cidades de norte e névoa” morre na luminosa Lisboa. Talvez por ela o dia se tenha posto hoje tão triste!
Não poderei esquecer a sua voz jovial e comunicativa, o seu sorriso positivo, o seu olhar incisivo e perguntador. O seu saber ouvir. O seu ar de grande simplicidade, como tem quem é verdadeiramente grande...
Então estremeci. Lá partiu outra grande personalidade, lá ficamos todos mais pobres. Uma grande tristeza tomou conta de mim. Fiquei mal, estou mal…
Não podia deixar de vir aqui. Por ela. Por mim. Por nós.
Conheci-a num dos encontros da Gulbenkian sobre literatura para a infância. Ouvi-la foi uma descoberta. Um espanto. Uma dádiva. Um privilégio.
Estava com a Matilde Rosa Araújo que Maria veio cumprimentar no final da sua conferência e assim fomos apresentadas uma à outra. Trocámos algumas palavras ali mesmo e enquanto  saíamos.
Elas foram almoçar com os administradores e eu à cantina da NOVA, como sempre faço. À tarde regressaram juntas e vieram ao meu encontro. No final do dia fomos lanchar e então falámos um pouco de tudo o que nos interessava. Longamente…
Voltámos a estar juntas mais duas vezes, ambas mediadas pela Matilde.
Além dos livros científicos, como Meu dito Meu Escrito, que a Gradiva editou em 2014, Maria publicou, em 1988, um livro de poesia, A Hora e a Circunstância, rapidamente esgotado. Em vez de prefácio o livro está pontilhado por diversas “cadenzas” assinadas por Agostinho da Silva. E por ilustrações de Miguel Horta. Uma preciosidade.
Partilho convosco dois poemas curtos do livro, que revelam a poeta que habitava os espaços vividos pela cientista.

Ao longo de todo o dia, a natureza tem chorado Maria, despejando sobre nós muitas das nuvens que nos passam por cima. E o grito do trovão que escutei há pouco parece querer igualar a tristeza de alguns de nós.

14 de Abril 2020
Fátima Ribeiro Medeiros

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